quarta-feira, 1 de dezembro de 2010


Ai de ti, Haiti 
Por Néstor J. Beremblum

Parece incrível, mas é verdade. O primeiro país no mundo que aboliu a escravidão, em 1794, é hoje a nação mais pobre das Américas.
Por isso a epidemia de cólera na ilha, após o terremoto mais devastador da história, de janeiro, no dia na última segunda-feira (15) havia matado 917 pessoas, e cinco dias depois o número já alcançava 1180. A conta é simples, mais de 50 pessoas morrem por dia a causa da “doença dos pobres” como foi conhecida. Mais um dado é que, segundo a UNICEF, doze por cento das mortes correspondem a crianças de até 5 anos de idade.
Essa é a realidade da ilha de Hispaniola, descoberta por Colombo em dezembro de 1492, e que fora dividida entre Espanha e França alguns anos depois não consegue se erguer como Estado moderno, apesar daquela medida vanguardista de que todos os homens eram livres. Mas essa conquista chegou com muito sacrifício e morte após uma revolta de escravos.
Morte é a palavra que mais se repete na história de Haiti.
Toussaint Loverture foi o primeiro governador-geral, ex-escravo foi assassinado pelos franceses para tirá-lo do cargo em 1801. No ano seguinte, Haiti se declarou independente, o segundo país nas Américas, mas o mundo não gostou e, como forma de retaliação os escravistas europeus e estadunidenses mantiveram o Haiti sob bloqueio comercial por 60 anos.
Para acabar com isso a França republicana, nessa época, deslocou sua frota e cercou a ilha até conseguir um ressarcimento econômico que deixou a ilha submersa na pobreza. França trocava o café, o cacau e o açúcar pelo dinheiro em metálico.
A França, que durante a última semana foi palco de uma comédia de enredos com primeiro-ministro, François Fillon, que “se demitia” e que era chamado novamente para formar governo. E o novo governo não era muito diferente do anterior, apenas umas purgas aqui e outras lá, visando a reeleição de Nicolas Sarkozy que também é o atual presidente pro-têmpore do G-20.
As mortes continuaram na ilha de São Domingos, como os franceses a chamaram, ao longo dos séculos XIX e XX. Vinte presidentes passaram pelo poder. E dezesseis desses foram depostos ou assassinados. Os Estados Unidos da América invadiram o Haiti entre 1915 e 1934, com o objetivo de proteger seus interesses no país. Não era, nem seria aquela, a primeira vez.
Entre 1957 e 1986 a dinastia Duvalier, primeiro o médico, François, e depois o filho, Jean-Claude mantiveram o país sob a política do terror. O Vodu e uma temível guarda pessoal, os “tontons macoutes”, mantinham a ordem que os Estados Unidos apoiavam em silêncio, mesmo ao custo de muita morte e violência contra os direitos humanos.
Já mais perto do fim do século passado, Jean Bertrand Aristide foi eleito presidente em 1990. Como ao longo da história do país, o general Raul Cedras o tirou do governo um ano depois. Estados Unidos e o Conselho de Segurança da ONU decidiram intervir. Sobre tudo pela enorme quantidade de haitianos que tentavam ingressar, clandestina ou legalmente em território norte-americano. A pressão pelo retorno de Aristide foi grande. O Conselho de Segurança da ONU decretou bloqueio total ao país e uma força multinacional, liderada pelos EUA, entrou no Haiti para tentar reempossar Aristide.
O preço de tudo isso, foram mais mortes e mais miséria. Não por terremotos ou doenças como a cólera. O presidente restituído durou 10 anos, e foi retirado do país pelos militares (norte-americanos) que o devolveram ao poder contra sua vontade, após um novo golpe militar.
Foi nessa época que se constituiu a hoje famosa MINUSTAH. A Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti, que assumiu a autoridade exercida Forças Internacionais em 1º de junho de 2004. O efetivo autorizado para o contingente militar é de 6.700 homens, oriundos da: Argentina, Benin, Bolívia, Brasil, Canadá, Chade, Chile, Croácia, França, Jordânia, Nepal, de cujos soldados os haitianos acusam que trouxeram o vírus do cólera ao país, Paraguai, Peru, Portugal, Turquia e Uruguai.
Ao longo dos anos, sua ação foi contestada pelos haitianos por resultar infértil ao combate à miséria. Prometeram-se melhoras para a população, mas a situação não tem mudado como esperavam os haitianos que receberam com esperança ao contingente militar internacional. Precisamente, a MINUSTAH declarou sua incapacidade para conter os protestos desta semana em pleno processo eleitoral

Incapacidade que se reflete na falta de respostas que a comunidade internacional tem com uma população que há 10 meses sofrera um terremoto devastador e ainda mora em acampamentos e em condições mais que precárias. Na mesma ilha, até a vizinha República Dominicana está em alerta pela epidemia após a confirmação do primeiro caso no seu território que fora dividido, em sentença salomônica, entre a Espanha e a França há trezentos anos. 

Mesmo com a intervenção de organizações humanitárias como a francesa "Médicos Sem Fronteiras" (MSF) no país, parece não haver forma de controlar a epidemia se as obras de infraestrutura não acompanham às necessidades de uma população que, não por estar acostumada a enorme repetição ao longo da sua história, não chora suas mortes. 
Texto cedido a Literacia pelo Autor-Jornalista de O Repórter


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Um comentário:

  1. As palavras não podem comunicar tudo o que sinto perante o eterno sofrimento do Haiti. Para cúmulo, a Comunidade Internacional não dá resposta a uma epidemia que veio agravar, ainda mais, a já dramática situação de um Povo, que após o terramoto, "ainda mora em acampamentos e em condições mais que precárias" (!!!).
    Devemos assumir a responsabilidade que temos para com todas as vítimas inocentes da ganância, da corrupção, das ditaduras sanguinárias, e das próprias catástrofes da Natureza. A falta de compaixão está a levar o Homem a caminhar para trás a um ritmo alucinante e dramático.

    Maria João Oliveira

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