terça-feira, 7 de dezembro de 2010

  Indígenas explorados esperam justiça

Montezuma Cruz*

ALTO ALEGRE DOS PARECIS, Zona da Mata (RO) – Além de pedras, cerâmicas e ossadas, invasores do território indígena ajuru exploram madeira, praticam pesca predatória e extraem palmito. Cedro, cumaru ferro e mogno são tombados dia e noite. Raridade, o cumaru está praticamente extinto. Alguns mateiros caminham dois a três dias para localizá-lo nesta região de Rondônia.


No ano passado, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) apreendeu na região de Vilhena mais de cinco toneladas de palmito, açaí e pupunha retirados em sua maior parte de terras indígenas. Está claro que há trabalho para diversas operações da Força Nacional, a partir de relatos do próprio Ibama, da Polícia Federal, do Serviço Reservado da Polícia Militar e dos próprios indígenas.

O mais doloroso no momento é a cooptação de lideranças. O povo miqueleno, por exemplo, é o mais frágil. Já constatou alguns representantes recebendo agrados de fazendeiros, entre os quais, dinheiro e viagens.

Anos 1980: tiros, espancamentos e humilhação. Comovida, Walda Ajuru descreve a via crúcis de sua gente, expulsa por fazendeiros apoiados pelo Incra, sob a conivência da Funai. Para ter certeza de que os índios tomariam o rumo de Ricardo Franco, fazendeiros fizeram acordo com o então administrador da Funai em Guajará-Mirim (fronteira Brasil-Bolívia), Dídimo Graciliano de Oliveira.

Jantar com tiros
 
– Os abusos aconteceram às vistas das próprias autoridades – lamenta a cacique. Lembra um fato: em 2002, enquanto representantes do Cimi e do Ministério Público jantavam em Porto Rolim, Vitor Hugo Zabala, o Diogo, disparou um revólver 38 contra um grupo de índios e fugiu numa moto. O indigesto jantar acabava ali. Assustados, os índios foram embora numa canoa.
  
– Diogo ainda disse que se quisessem ficar na área teriam que falar com o governador Cassol – lembra a cacique. Segundo um relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), cerca de 80% do território ajuru está nas mãos do ex-governador Ivo Cassol (PPS), agora eleito senador da República.

Um dia depois daquele atentado, policiais fardados vindos de avião pousaram numa pista próxima a Porto Rolim, enquanto os indígenas participavam de uma assembléia. Consumiram diárias e combustíveis, apenas para constatar a denúncia de que eles teriam quebrado o cadeado da fazenda. Era mentira.

A serraria de Rubens Restri funciona desde 1982, explorando madeira da terra indígena. A região ainda tem mogno, cerejeira, castanheira, cedro e angelim. Walda classifica de “desrespeitoso” o plano de manejo aprovado pela Funai e Sedam sem consultar os indígenas que já se manifestaram em assembléias sua contrariedade à pesca, extração de madeira e de recursos extrativistas de maneira predatória.

– Toda vez que algum de nós reclama e dizemos que voltaremos às nossas terras originais, eles dizem: vocês voltam, mas a justiça é lenta. Isso é um desaforo, não é?

Sem apoio policial, da Funai, notando a indiferença das autoridades regionais, três mulheres corajosas ainda estão esperançosas em que a presença de representantes do Iphan possa tirar-lhes do anonimato ao qual foram submetidos. Falar de índios isolados em Rondônia atualmente é um desafio de consciência.

Lugares sagrados violados



ALTO ALEGRE DOS PARECIS – Na mesma situação dos Tupari e dos Ajuru, encontram-se atualmente os povos Arara, Arikapu, Aruá, Gavião, Kanoé, Karitiana, Kaxarari, Kwazá e Makurap. Sofrem quase todos do mesmo mal: desde a chegada do Programa de Desenvolvimento Integrado do Noroeste Brasileiro (Polonoroeste), financiado pelo Banco Mundial, Rondônia promove revisões de demarcação das terras indígenas.

A pior conseqüência disso é que a maior parte dessas terras perdeu lugares sagrados, espaços nos quais há cemitérios, pedras e, supostamente, antigas e milenares oficinas de cobre.

O Cimi apoiou esses povos no pedido de revisão de seus limites territoriais, sob a justificativa de que a falta de espaço impede a sua reprodução física e cultural. Não é a toa que vem ocorrendo casamentos intertribais, como forma de preservação.

A angústia desses povos aumenta, na medida em que se sentem impotentes para expulsar mateiros, jagunços de madeireiros irregulares, pescadores, e garimpeiros. A Terra Cujubim está estrangulada: parte do território tradicional foi transformada em reserva extrativista e outra parte está ameaçada por um projeto de assentamento do Incra.

Em 2009, o grito indígena alcançou a Europa, quando sete representantes dos povos Aruá, Jabuti, Kanoé, Makurap e Tupari, que vivem nas terras indígenas de Rio Branco e Guaporé, viajaram para a Suiça, apoiados pelos museus etnográficos de Basiléia, naquele país; de Viena, na Áustria; de Berlim, na Alemanha; e do museu de Leiden, na Holanda.

Eles mostraram a cultura de cada etnia, trocaram conhecimentos com pesquisadores suíços, mas aproveitaram para denunciar a situação de cada um. (M.C.)

Temor de perder tradições e conhecimentos

ALTO ALEGRE DOS PARECIS – Segundo Leonice Tuí Tupari, 33 anos, o último pajé Tupari era Cassimiro, que morreu aos 105, em abril deste ano. Índios com idade até anos vêm aprendendo muito a respeito da seca, da cheia, das plantas medicinais e dos antigos rituais de seus antepassados. Entre as plantas, por exemplo, algum futuro pajé sempre terá oportunidade de trabalhar com a surucuína, cujo extrato é usado naturalmente no combate e picadas da cobra jararaca.

– Nós não sabemos de onde viemos – diz Leonice, que mora na Linha Nove. Há pouco tempo ela se casou com um Suruí. Os Ajuru por sua vez unem-se pelo matrimônio com pessoas Canoé, Jaboti, Makurap e Oro Nao.
Lourenço Ajuru, o“Pororoca”, o conhecido “grande pajé”, durante muito tempo, atendeu e ensinou doentes de outras terras. Brancos também aprenderam com ele.
– Será que vamos sobreviver? – pergunta Leonice, com leve sorriso.
Mas os pajés que significaram guarnição, segurança e conhecimento aos povos estão morrendo sem deixar substitutos à altura. Para a formação de pajé o jovem deve permanecer 30 dias na floresta sem comer carne e peixe. Alimenta-se apenas de gongos de palheira, amendoim e milho.
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Chacinas indígenas marcaram para sempre a Amazônia Ocidental

RONDÔNIA DE ONTEM



(Foto Cadernos da Diocese)

Montezuma Cruz
Massacres cruéis. No primeiro, os seringalistas João e Luiz Dantas mataram indígenas Oro Win, “porque eles flechavam os seringueiros”. No segundo, entre 1962 e 1963, no Igarapé Teteripe (ou Tabocal), jagunços do Seringal do Arquinda (dono do Alto Cautário) abriram as barrigas de mulheres grávidas, atiraram crianças de peito para o alto e as apararam na ponta de terçados. O velho Salomão Oro Win perdeu a mulher, um filho e seus irmãos. Ele mesmo enterrou os corpos.

Para se avaliar as conseqüências nefastas da invasão ao território indígena nos anos 1970 em Rondônia é preciso conhecer o que aqui ocorreu na década anterior, em 1963. Restavam 57 Oro Win, mas o sarampo e a gripe reduziram-nos a 31.

O seringalista Manuel Lucindo da Silva organizou uma expedição na cabeceira do Rio Pacaás-nova, para contatar os Oro Win. Ele era dono do Seringal São Luiz, em Guajará-Mirim, na fronteira brasileira com a Bolívia.
Sem êxito, Lucindo decidiu “punir os índios”. Segundo o Processo-Crime 6.362/78, participaram da expedição Luiz Barbosa, Raimundo Bezerra e Francisco Marinho, e os índios Valdemar Cabixi e Tem Noi Pacaá-nova.

O grupo alcançou a aldeia e foi atirando para todo lado. Alguns índios baleados conseguiram fugir para a floresta, mas não resistiram. Saldo: nove mortos, dos quais, cinco crianças, um adulto, dois idosos e uma jovem. Uma idosa e duas crianças não morreram na hora, mas foram posteriormente executadas pelo seringalista Lucindo, disse no processo-crime o índio Hotor Oro Win, filho de Salomão, que os sepultou. Os documentos judiciais traduzem a barbárie: Maria Mixem Toc Oro Win, mulher de Hotor implorou pela vida e só não foi liquidada por interferência de Valdemar Cabixi.

Juntamente com alguns feridos, levaram-na para a sede do seringal, mas no meio do caminho Maria percebeu que os outros índios ficaram para trás. Ouviu tiros. Encarcerada no seringal, ela apanhou bastante, mas um dia conseguiu fugir. Lucindo ordenou a Cabixi que a capturasse novamente. E assim ele fez, chegando armado à aldeia, onde deparou com índios desnutridos e apavorados.

Sem alternativa, os Oro Win se viram cercados pelos seringalistas de um lado e pelos Uru-eu-wau-wau de outro. Renderam-se. Um mês depois, Lucindo mandou incendiar as malocas. A resistência veio em seguida: os índios escaparam, chegando às margens do Rio Parati, onde ficava o seringal do Sr. Miranda Cunha, que pediu a Lucindo autorização para que Cabixi “resolvesse problemas” em sua área.

Seringueiros estavam abandonando as colocações e isso representava prejuízo para Miranda. Cabixi localizou novamente os índios e os levou para o Seringal São Luiz, mas oito deles fugiram. Salomão buscou-os e teve início, então, um período de escravidão indígena. Em troca do trabalho que começava de madrugada, eles recebiam peças de roupa e comida. A escravidão indígena durou até os anos 1970.

As mulheres sofreram mais: foram estupradas por jagunços e por familiares do seringalista. Nessa mesma década, no Paralelo 11, em Mato Grosso, jagunços das famílias Arruda e Junqueira matavam a tiros e a golpes de facão homens e mulheres Cinta-larga. Naquele estado e em Rondônia o extermínio indígena provocado por fazendeiros e seringalistas expôs a perversidade amazônica, algo que fez escola até para o trabalho escravo branco, que se repetiu no Vale do Guaporé até os anos 1990.

Os Oro Win, por eles próprios autodenominados, são remanescentes de um povo com sete clãs, todos dizimados e extintos. Cultivavam farinha de mandioca, feijão, milho, bananas, galinhas e plantas medicinais nas aldeias Pedreira e São Luiz, na cabeceira do Rio Pacaás-nova e nas margens do Igarapé Água Branca. No entanto, sua área tradicional fica dentro da Terra Indígena Uru-eu-wau-wau, que foi homologada pelo Decreto nº 275/91.

A Funai transferiu os Oro Win para o Posto Indígena Rio Negro Ocaia e lá eles conviveram com os Wari’, dos grupos Oro Não, Oro Eo e Oro At. Existem e resistem.

[Jornalista e Escritor, Revista Amazônias]

Um comentário:

  1. "(...) vocês voltam, mas a justiça é lenta (...)".
    Que a Justiça Brasileira tenha bem presente tal provocação! A sua lentidão estimula as serpentes, sem dúvida.
    É cada vez mais urgente e imprescindível, para a sobrevivência da nossa própria espécie, o desenvolvimento da ética da compaixão.
    Um abraço solidário para todas as vítimas da crueldade humana.
    Maria João Oliveira

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